sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Extraviada

Paraty, Rio de Janeiro - 12/06/2010
         Lembro quando olhávamos prum só lugar, víamos a chuva cair, pensávamos em futuro eterno. Lembro quando te olhava e te via guardando o cabelo atrás da orelha num gesto com as mãos, após abaixar os olhos repulsivamente, demonstrando afeto oculto. Lembro ainda quando lembrávamos dos seus avós, dos meus pais, e imaginávamos cuidadando um do outro, com zelo. Tenho saudade dum só corpo, duma só vida, amor. Te via crescer pra longe de mim.  Fiz com que você crescesse pra longe de mim. Te criei pra isso, você não pode perceber nem entender. Isso é muito maior que nós dois, entenda por favor. Cuidava da sua roupa, da sua pele, do que você comia, alinhadamente, organizando os condimentos, os produtos, as cores - embora sempre fora alertado que era cuidado demais. Nós éramos muito um do outro, nossos nós eram frouxos, desamarravam sem necessidade de golpe, de meter o dente: era só afrouxar e puxar a corda; o nó estava desfeito. Com carinhos mútuos nossos corpos sempre conversavam. Sem gestos bruscos nós nos entendíamos, apenas por ver a curvatura da sombrancelha. Te amei mais que a mim e dificilmente encontrará alguém assim. E desejo que não encontre. Não mesmo. De coração. Nunca disse que estava errada, mas também nunca concordei com o que fazia. Me pergunto se tudo tem que começar e acabar assim: rápido, ágil, intenso. É melhor que sim. A partir de hoje e não quero nem ser feliz: só quero parar de sofrer. As lágrimas já estão secando, não chorei na quarta-feira. Tenho vontade de reconstruir nosso futuro, tirar o Lego do armário, construir de novo nosso castelo, reviver a nossa mágica. É duro aceitar a realidade. O chão é frio, o piso escorrega quando cai água, tenho medo de ter encosto. Precisamos voltar à rotina que aprendi a me apaixonar, te acordar mechendo nos teus cabelos, beijando suas costas. Tudo isso era muito nosso, minha vida, ninguém aqui vai nos entender; nem a capacidade que temos de não nos perdoar, ou de nos perdoar repentinamente. Não tenho mais vontade dos teus carinhos, pois são frios e não me parecem verdadeiros. Teu cheiro parece estar embebido de um outro perfume e misturado com outro que não é o meu. Não te conheço nem quando olhos nos seus olhos, mas consigo te perdoar diariamente. A dívida comigo já não é só tua, é minha também. Você não vai receber essa carta, porque eu não a escrevo pra você. Escrevo essa carta pra que eu possa lê-la todos os dias e me lembre do que restou de mim sem você. E pra você fica a certeza do não: eu não sei olhar sem você.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tudo foi muito nosso e tudo valeu a pena. Só você poderia descrever com tamanha perfeição. Te carrego comigo junto com as experiências, carinhos, conversas e olhares. Não há uma definição para tudo isso.

"Uma relação nem sempre termina pq não é feliz. Às vezes termina para preservar a felicidade da memória." F. Carpinejar