sábado, 3 de setembro de 2011

Recolho meus encantos e inibo desventuras como quem brinca com fogo. O dia amarelo-azulado me lembra que te mostrei minha lágrima hoje. Só você a vê. Juro, jurei por muito tempo que só eu a veria, e agora nem eu mesmo mais as vejo. Vivo de utopias simples, sinceras. Teus sinais não me confundem, teus cabelos não serviram de camuflagem. Enxergo hemácias enormes, teu signo se perdeu com tua maturidade. Sou seguro de mim; seguro, tão seguro, que ninguém me vê assim. Me asseguro no teu afeto noturno. Te perco todas as manhãs e batalho o dia todo pra te ter a noite. Teus olhos embebidos de sabedoria me repreendem ocasionalmente pelo excesso. Me perco com tua pele, com os sentimentos, com minha semântica, e por isso pareço complexo. Eu, e quando digo eu, devia dizer nós – eu mesmo, minha língua, meus textos –, sou simples quando visto de fora; o problema é que me perco e não consigo deixar que você fique longe de mim. Me conhece bem por dentro e sabe tudo que eu sinto. Desregulo involuntariamente minhas glândulas lacrimais e tudo aquilo que sai me mim se refere a você: minha vida, meu amor, minha mulher.

Guilherme Quintanilha

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Petrifico qualquer sentimento. Respiro o ar do refrigerador, coagulo esperanças frustradas, desritimizo batimentos cardíacos. Crucifico meus afetos e termino sozinho. Ressuscito uma boa relação entre as pessoas enquanto minha mente catequética retorna e entorna meus vocábulos: vieste do pó e ao pó voltarás. As religiões são uma tentativa de amenizar a dor dos humanos e humanizar a desvinculação dos fenômenos terrestres. Minha consciência pesa nos ombros, dói os olhos, enquanto minha aura insistem em lembrar que eu preciso de você.

Guilherme Quintanilha


quarta-feira, 22 de junho de 2011


Eu te amo mesmo com suas crises, sandices, crendices;
Com suas evoluções psico-sociais, sua maturidade inexistente, suas teorias banais.
Com seu amor inabalável, sua segurança inflamável, sua paixão instável, insegurança questionável;

Amo com suas impulsões à flor da pele, com sua integridade reles, como seu consumismo pede;
Com sua sede sádica, sua fome híbrida, seus gestos castos, seu rosto intacto -
Mesmo com sua vida lídima, profana e satírica;

Com seu toque insociável, sua personalidade inviável, sua mente inexorável.
Com seu desejo supremo, seu olhar ameno, seus lábios intensos.
Com suas vontades desapiedadas, suas metáforas vagas, ironias afagadas.

É como saciar a fome sem ter nada pra digerir.

domingo, 19 de junho de 2011


Não que eu seja duro, as palavras que são frias. Minha língua é enrijecida por qualquer desvirtude.  Tenho que aceitar humanamente que os nossos caminhos sempre trilham prum mesmo fim, e qualquer devaneio interno é esmigalhados pelas minhas lembranças. Meu ódio é alimentado pelo que eu tinha sonhado pra nós, intimadamente. Inspiro a poeira do piso num só gesto – meus olhos vermelhos já não são por tua causa, as lágrimas brotarão sem que eu pense em você. Absorvo todos ideais de superação: penteio os cabelos, escovo os dentes, dou um laço no cadarço com só uma mão. Minha vida sempre esteve certa, a distância me torna cada vez mais frígido, meus pensamentos constroem diálogos inexistentes, enquanto tudo conspira e espera você voltar.

Guilherme Quintanilha

domingo, 8 de maio de 2011


É estranho como as coisas terminam, e por mais que eu tente te explicar minha crise existencial por cinco mil vezes seguidas você não a entenderá – apenas acenará com a cabeça e assentirá entre os dentes. Tenho medo da minha mortalidade. O tempo está retrógrado, sinto tua falta no espelho – meu rosto marcado por tua ausência, minha língua seca sem teu líquido. Minhas orelham buscam um silêncio ensurdecedor, enquanto meu colo sente o peso do que você deixou pra trás. Teus resíduos impregnam minhas roupas surradas, suadas. Despejo minhas angústias em verdades não esclarecidas. Meu amor decresce a cada dia, em cada perda, em cada morte. 
 
Guilherme Quintanilha

terça-feira, 26 de abril de 2011

Sinto uma saudade irracional por você. A ponta dos meus dedos adormecem, minha pele resseca quando não percebo tua presença. Vejo teus olhos na lua e eles me indicam mudança. Quando a maré encher, reproduzirá o reflexo do teu olho torpe. Me desfacelarei em qualquer onda quebrada. Danem-se os costumes, farão controvérsias em nome da ciência. Danem-se, cientistas! Tudo que é passado me angustia. Vivo dualizando meus dizeres, enquanto os divulgam por aí como se fossem construídos. Tudo que exponho é um eu que ninguém vê, por isso parecem tão dúbios. Sou nada mais que eu mesmo.

Guilherme Quintanilha

quinta-feira, 7 de abril de 2011


Minhas palavras não são construídas, são reproduzidas.
É tudo epiderme, glóbulos, DNA, coração.
Envolvo tudo num alento,
E quando chega o momento que se perde,
Você me pede compaixão;
Peço que se acerte,
A vida tem muito de ilusão, de fantasia, de solidão.
E a pele tenta combinar,
E o olho se perde na imensidão branca.
Sobrevivo apenas com minhas opiniões inconsistentes, inseguras e brandas.
Me defino com meia dúzia de palavras duras.
Meia dúzia de nada.

Guilherme Quintanilha

quarta-feira, 30 de março de 2011

Ainda me perco pelo teu rosto,
Teu gosto diluído na minha saliva;
Gota por gota.

Me apego ao teu andar em desalento,
Pelo momento que teu cabelo é soprado,
Teu cheiro trazido pelo vendo,
Tua cor marcada na minha pele.
Fio por fio.

Guilherme Quintanilha

sexta-feira, 18 de março de 2011

Pra você


Quero possuir tuas curvas acentuadas,
Roubar tua língua dura,
Arrancar teus olhos meus,
E fixar-me sobre meus teus,
Sempre teus.

Gosto do teu corpo maduro,
Tua pele flamejante em apelo,
E no teu cabelo me apego,
Escorrego meus dedos pelo teu pelo,
Pelo teu pensamento enfermo,
Pelo tua cabeça em sossego.

Sofro com tua boca curvada,
Arredondada,
Como um sinal de atenção,
Ou pretenção,
Senão,
Ou então,
Eu te amaria também.

Aqui dentro tem tanta coisa,
E lá fora só chove água fria.

Te amo também por muitas coisas,
E outras,
E também te amo pelo simples fato do livre abítrio:
Aquilo de poder amar qual um,
Mas me fez o teu refém.

Guilherme Quintanilha

domingo, 13 de março de 2011

O cair de Darwin

É gostoso sentí-la na ponta da língua, e salivando, perceber minhas angústias sendo afogadas, meios anseios sendo empurrados por entre os dentes. As cáries talvez sejam meu amanhã - as cáries ou os tátaros; sempre empurro dúvidas para embaixo do tapete. O mau hálito advém das brigas internas, do estômago deslocado, da obturação caída.
Cair é a única coisa certa da vida.
Mais que morrer.
O cair de Darwin,
Mais que morrer.

Guilherme Quintanilha

terça-feira, 1 de março de 2011

Sentido particular

Amo tanto o teu momento
Que olho teu olho sereno
E vivo teu alento
E quando me mostro pequeno
O vento, que insite em me alimentar,
(Ou me frustar)
Ofusca meu olho.
Meus sentidos são encobertos
Por míseros poemas -
Míseros e mínimos.
Sinto muito mais do que meia duzia
Disso inho aqui,
E quando tento passar o ão de lá,
Eles se tornao endo:
Morrendo,
Correndo,
Sofrendo.
E respiro muito mais que adjetivos,
Pode ter certeza, meu amor,
A vida é o nosso momento,
Meu e teu,
Que embora seja pequeno,
(o sentido da vida, não o nosso encontro solene),
Ela se torna suada,
Mudada,
Sintetizada,
Chupada. 

Guilherme Quintanilha

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Veneno

Tenho tanta coisa tua pra dizer
Mas agora só me restaram vácuos.
Enquanto as palavras se perdem neste entremeio,
Te espero até mais tarde;
A gente põe aquela música pra tocar
Eu já fiz o teu jantar
Já me despi do teu inferno
Já te liguei pra te contar
Pra te convidar pro meu inverno
Pro meu eterno
Pro meu mundo que andava vazio,
Sombrio;
Pra minha casa que era escura.
Me tire
Me xingue
Me intimide.
Não quero o teu lamento
Quero o meu tormento
Que é somente amar você.
Me deixa escrever
Mais um pouco,
Deixa a luz do quarto acesa.
Eu quero te entreter.


Guilherme Quintanilha

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Terceira fase

Meu peito ainda soluça.
As lágrimas preenchem o espaço vazio do meu olho,
Enquanto vivo minha utopia física,
Inércia dinamizada,
Ação e reação.
Ando desajustado
O disjuntor teima em se manter na posição desligada,
E quando tento me aquecer,
Desarmo.
A fiação deve ser trocada o quanto antes.
Os eletricistas se negam,
Perdi minha luz um tempo atrás,
Apenas ameaço faíscas, fases interrompidas.
Torço para que meu fuso se ajuste com o término do horário de verão.
Já vem o carnaval,
Eu renuncio, não nego:
Quero de volta todo o meu mal.

Guilherme Quintanilha

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Desconstrução

Desmorona o morro
Chove a chuva
O tempo já fechou já faz um tempo
Enquanto invento
Pleonasmos desiguais.
Os ventos sopram em direção contrária
Os dias se tornam sem métrica, sem rima
É tudo tijolo, terra, areia
Meu coração
Desnorteia
Qualquer interferência externa.
O costume do querer
E o debulho do viver e das lágrimas
Não cansam
Meu coração
É pedra, tijolo, terra, areia
Incendeia
Quando a água tenta amenizar
A fumaça
A brasa
O mar
E tudo aquilo que envolte o teu amar
O meu amor
O calor
O furor
Desmorona o morro.
É tudo concreto, pedra, tijolo, terra, areia.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Extraviada II



     Eu quero tudo ao mesmo tempo, sou egocêntrico demais pra ser narrador-observador. Quero juntar os olhares, concentrar as salivas, manter-me sutil para não perder a discrição. Pode entrar, deixei a porta dos fundos aberta, pode pegar o vinho que pus de manhã na geladeira e já deve estar frio. Estou no banheiro, lavando a cueca na pia, você deve passar por mim e me cumprimentar, ou já vá pro quarto, tire a roupa e derrame vinho pelo teu peito. Ainda me lembro quando me pediu em casamento e me olhava nos olhos com teus gestos pequenos, e repetia sempre que eu te pedia, sem hesitar. Tua boca curvava meio trêmula, fazia uns desenhos sutis, meio estranhos. Você abusava do poder que tinha sobre mim, de poder manipular minhas ações pelos meus sentimentos. Isso é desleal. Você vinha e me fazia de vudú. E eu ainda te via em todos os lugares, e quando não via, era porque se escondia. Você sempre quis se mostrar involuntariamente, expelir seu drama natural. Sempre te via nas esquinas, percebia a luz do teu olho quando olhava pro alto. E olhava teu olho, beijava teu beijo, dizia que os poemas que escrevia não eram pra você - mas eram-, e sentia tudo que me passava sem necessariamente querer; como numa espécie de força motivacional: imoral, ilegal, integral.

Guilherme Quintanilha

domingo, 30 de janeiro de 2011

Longe, bem de longe



      Eu também não sou daqui, oscilo sempre entre as probabilidades, entre os vir-a-ser, entre os ganhos materiais e a necessidade de me igualar aos demais. Sinto falta de te sentir inteira; de onde eu venho, todas as pessoas são inteiras: cegos, deficientes, laranjas não são cortadas ao meio. Lá vivem como se todos os dias fossem os primeiros e os últimos. E o recomeço é diário, a reconquista é árdua, a valorição é indispensável. Lá eles dizem que se amam freneticamente, assiduamente; sem demostrar intensidade, talvez até afeto, somente pra que o amor não caia em desuso. Lá o amor e o costume são sinônimos, racionais. O amor não acontece, o amor é criado. Você ama quando quer e desama quando tem necessidade. Separações são praticamente inexistentes. Os casais são felizes, são apaixonados pela rotina que levam; e se ousasse perguntar a qualquer um deles se trocariam de vida, negariam. Desde que vim de lá, me tornei mais frio, consigo descrever o sentimento que existe de onde parti. Enquanto estava lá, tudo era mágico; racional somente quando visto de fora. Me entristeço com esse lugar aqui, do qual fazem questão de separar a paixão do amor e do sexo, mecanicamente. As pessoas são infelizes pois buscam tais prazeres separadamente, e quando querem encontrá-los juntos, não conseguem. E essa busca incessante é desmascarada por um simples motivo: não existem separados. Lá de onde vim eles entendem tudo isso perfeitamente, mesmo sem consentir. De onde vim tudo é pra sempre. E eu deito e fecho os olhos e forço e choro mas não consigo voltar.

Guilherme Quintanilha

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Salve, Jorge!


    

       Nunca entendi bem os teus sinais, tuas rimas, tuas inconstâncias, tuas histórias, tuas convicções, tuas religiões. Também nunca entendi quando exaltava que oxalá me protegesse. Era mesmo tua crença ou era para eu ter encarado semanticamente? Talvez nunca saiba tua resposta. Não questiono tua partida, me conformo com os teus motivos. O que me aflinge é o grito silencioso do meu pai, o soluço histérico da minha tia. Se o senhor queria levar consigo todos os nossos problemas, porque não levou também a nossa dor? Não que desmerecíamos sofrer, mas ainda lembro do teu rosto arroxeado enquanto empurravam teu corpo pra baixo. Sentia lágrima, suor, mau hálito. Traumatismo craniano. Hemorragia no encéfalo. Sinto até hoje o odor dos incensos, dos defumadores, das flores. O senhor não podia ter nos abandonado, era o hífen da família. A trégua agora não faz mais sentido. Prefiro associar tua partida a uma auto-defesa:  "(...) para que meus inimigos tendo pé não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem, e nem em pensamento eles possam ter para me fazerem mal."* O senhor não era devoto, era o próprio santo - e não digo isso por não seguir a tua religião -; santo é quem nos faz bem. Se encontrar com a minha avó diga a ela que embora os vinte anos continuo muito chateado: ela deveria ter esperado pelo menos mais um mês - eu queria que ela tivesse me pegado no colo. Oxalá que todos nós fiquemos em paz.

*Trecho da Oração de São Jorge.

Guilherme Quintanilha


- Texto dedicado ao meu avô, Jorge Quintanilha, 61 anos, devoto de São Jorge, que se atirou na frente de um ônibus em alta velocidade próximo a Central do Brasil e morreu menos de uma hora depois, em 12/01/2011. Esta história não é um poema de Manuel Bandeira. 

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Oscilando entre o tempo e as probabilidades



    Você devia ter me ligado, o amor tem muito de costume também. Devia ter me ligado nem se fosse pra não falar nada, pra dizer que estava com saudade quando não estava, pra ouvir minha voz, pra se lembrar que eu existo e que eu era teu. Devia sim, incontestavelmente. Eu ainda tentava algo mais, mandava uma mensagem pro teu celular, um depoimento no Orkut, e você fingia que não via. O amor tem muito de valer a pena também. Se você achasse  que eu valia a pena, teria me ligado, respondido meus SMS. E o amor tem muito de querer também. Se você quisesse ia até minha casa e tentava se apaixonar por mim de novo, nem que só fosse pra alimentar uma ilusão. Viver é andar por um fio, é estar por um triz. Não é porque nosso relacionamento entrou na rotina que a corda estava arrebentando. Não é bem assim. A linha sempre foi fina e sempre esteve quase arrebentando. A única diferença era que estávamos no começo, tudo era desconhecido, excitante. Pelo contrário, o fio passava a ser cada vez mais grosso. Em cada dia a mais a dificuldade em nos separarmos seria maior. Vinha adquirindo algumas características tuas, meu olho amanhecia com rímel, as vezes uma unha acordava pintada, seu sinal passava pra minha perna, tinha sintomas de TPM mensalmente. E o amor tem muito de viver também. Você devia ter vivido pro amor, alimentá-lo até a exaustidão, ter se entregado integralmente. E viver tem muito de amar também; é ter coragem de se balançar na corda fina, é alimentar um sentimento que nem sabemos ao certo o que é, só pra ter uma companhia, só pra poder dizer que viveu e amou, só pra dizer que tudo é pra sempre.

Guilherme Quintanilha

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Eterno relance


 

    Eu quero me casar de novo com você e me casaria quantas vezes mais quisesse. E me enfeitaria todo novamente, mandaria fazer outra gravata, cortar outro terno, decoraria outra igreja, só pra ver teus olhos enquanto você andava na minha direção. Não precisa mudar nada; todas as vezes que formos nos casar, guarde sempre o mesmo vestido, o mesmo buquê, o mesmo penteado. Mudaria todas as vezes porque você gosta de mudança, mas eu não ligaria em ver o teu véu amarelado; e faria tudo isso mais uma vez só por causa do olho. Eu senti um tremor incrível. Minhas pernas bambearam logo depois dos braços, não teve ligação com mais nenhuma parte do corpo - ainda não sei se foi por causa da aliança que estava fora do meu dedo. Minhas pálpebras, num tique, cobriam cada olho por vez, pra que eu não deixasse de te ver. Meu corpo curvava delicadamente pra frente e para trás. E por mais que eu tentasse achar ou reproduzir qualquer um desses sintomas nos próximos três anos, nem assistindo a gravação na TV conseguiria ao menos saber que eles existiram. E sentiria tudo aquilo pra sempre, por toda minha vida, em cada suspiro a mais, só para lembrar do teu olho, e do gosto da tua saliva misturada com minha lágrima que senti quando te beijei.

Guilherme Quintanilha

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Justa causa


     Eu nunca dei motivos pra que você olhasse para o lado. Sempre estive presente, nunca te abriguei nas minhas horas vagas. Eu tinha compromisso com você, meu ponto era auditado regularmente, não tinha domingo, não tinha feriado, eu nunca tirei férias. Fazia questão do árduo comprometimento diário, mas exigia salário no final do mês – e talvez um dos meus maiores erros tenha sido este: cobrava cada hora extra, cada sábado fora da escala. Esperei reciprocidade quando não podia esperar. “As pessoa são diferentes, cara”, falava Deus comigo. Esperava reconhecimento, um adicional noturno, uma bonificação. Recebi um aviso prévio: não precisaremos mais dos seus serviços em trinta dias. Titumbiei, pensava que era emprego público; mas resolvi nada mais do que ser eu mesmo. Se não se apaixonar de novo por alguém que já se apaixonou um dia, pego minhas coisas, coloco minha carteira embaixo do braço e peço demissão. 

Guilherme Quintanilha

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Liberdade condicional


Não quero um amor de vez em quando.
Quero um amor incondicional.
Quero que me ligue de cinco em cinco minutos,
Diga que me ama,
Que me odeia,
Que pintou as unhas.
Eu quero sufoco.

Pressione meu pescoço contra a parede e me beije.
Aperte minha jugular com o dedão, prenda meu sangue,
Deixe-me sem ar.
Quero sentir tua saliva descendo pela minha garganta,
Teu coração batendo na minha boca.

Eu quero ser só teu.

Arraste-me para onde for;
Obrigue-me a ir, por favor,
Não me deixe sair sozinho.
Interrogue os meus amigos,
Ande sempre do meu lado direito e cegue meu olho esquedo.
Só me deixe olhar pra você.

Eu não quero liberdade.

Rastreie cada número desconhecido do meu celular,
Leia cada letra das minhas mensagens,
Decifre todas as minhas ironias,
E finja que tem ironia quando não tem.

Eu não quero metade do todo,
Nós não estamos mais no começo.
Pitágoras era um mal-amado.

Quero toda tua atenção,
Todos os teus cuidados,
Todos os teus cheiros,
Todas as tuas cores,
Todos os teus cabelos,
Todas as tuas dúvidas,
Todos os teus acertos,
Todos os teus anseios.

Eu só te quero se for inteiro. 

                          Guilherme Quintanilha



 
Liberdade na vida é ter um amor para se prender.
Fabrício Carpinejar

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Tudo que não passou



Penso sempre em eternidade metaforicamente, eternidade momentânea, o eterno enquanto dura de Vinicius.
Teus olhos me ensinaram isso;
Os mesmos olhos que já não encontro há algum tempo,
Que não mais me deturpam, não me guiam, não me sugam.
Gostava de ver sorriso nos seus olhos, mas faz tempo que não sorrimos.
Nosso riso anda preso em alguma convicção.

O tempo escuro ignora minhas preces.
Fui chuva, quis molhar tua roupa branca, me esvair em seus braços;
Me esgotei em cada gota caída, em cada saliva expelida, em cada rua vazia.

Nada do que falava iria abrir tua visão.

Dói não ver o amanhã.
A ferida é grande.
Sempre resgato o que foi dito, sempre me torturo suntuosamente: tiro a roupa suja do cesto, separo cada peça, faço as combinações, me visto com elas.

Mesmo assim, tento esquecer.
E puxo seus olhos, arregaço seu sorriso, viro gota, deságuo na tua boca,
E sinto todo aquele amor em mim que ainda não passou.

Guilherme Quintanilha

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Entre Nietzsche e o perdão



      Tenho péssimo hábito de beber águas passadas, mas sem o objetivo claro de mover o moinho; talvez seja pela minha ótica ficcionista de juntar os cacos, reconstruir sentimentos, emiuçar dores. Minha consciência está tão pura quanto tranquila. Não tenho mais aquele pavor de perda, aquelas alucinógenas demolições do futuro - futuro que eu já não tenho há algum tempo. A rasteira foi dada em bom momento, os pés não podem desgarrar do chão - quem voa é anjo, minha realidade é outra. Gosto de ser humano, de perambular entre os pecados, de resistir ao irresistível; gosto este totalmente condicionado à minha paixão literária. Decidi hoje: não quero saber de análise, prefiro meus textos sofridos. "Filhos ou livros", já me dizia Nietzsche, enquanto procurava algum motivo pelo perdão. Perdão é divino, e alguém já deve ter falado isso. Só eu sei o que passei, o que vi, o que senti, e ainda ter a voracidade de renegar a tudo - só pode ser divino. Sinto que mudei, tenho o ouvido puro, os olhos já não são os mesmos: andam azuis, embora o tempo escuro os deixassem esverdeados. Não quero auréola em minha cabeça; quero ver aréolas em seus seios, pra que possa me lembrar da condição humana. Pensei em dormir pensando em minhas convicções que nunca eram corretas, prestando atenção mais uma vez em Nietzche, "convicções são cárceres"; mas prefiro sentir esse turbilhão de sentimentos que esmurram o meu peito: "é preciso ter caos cá dentro pra gerar uma estrela". Meu filho se chamará Friedrich.

Guilherme Quintanilha