quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Salve, Jorge!


    

       Nunca entendi bem os teus sinais, tuas rimas, tuas inconstâncias, tuas histórias, tuas convicções, tuas religiões. Também nunca entendi quando exaltava que oxalá me protegesse. Era mesmo tua crença ou era para eu ter encarado semanticamente? Talvez nunca saiba tua resposta. Não questiono tua partida, me conformo com os teus motivos. O que me aflinge é o grito silencioso do meu pai, o soluço histérico da minha tia. Se o senhor queria levar consigo todos os nossos problemas, porque não levou também a nossa dor? Não que desmerecíamos sofrer, mas ainda lembro do teu rosto arroxeado enquanto empurravam teu corpo pra baixo. Sentia lágrima, suor, mau hálito. Traumatismo craniano. Hemorragia no encéfalo. Sinto até hoje o odor dos incensos, dos defumadores, das flores. O senhor não podia ter nos abandonado, era o hífen da família. A trégua agora não faz mais sentido. Prefiro associar tua partida a uma auto-defesa:  "(...) para que meus inimigos tendo pé não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem, e nem em pensamento eles possam ter para me fazerem mal."* O senhor não era devoto, era o próprio santo - e não digo isso por não seguir a tua religião -; santo é quem nos faz bem. Se encontrar com a minha avó diga a ela que embora os vinte anos continuo muito chateado: ela deveria ter esperado pelo menos mais um mês - eu queria que ela tivesse me pegado no colo. Oxalá que todos nós fiquemos em paz.

*Trecho da Oração de São Jorge.

Guilherme Quintanilha


- Texto dedicado ao meu avô, Jorge Quintanilha, 61 anos, devoto de São Jorge, que se atirou na frente de um ônibus em alta velocidade próximo a Central do Brasil e morreu menos de uma hora depois, em 12/01/2011. Esta história não é um poema de Manuel Bandeira. 

5 comentários:

O Misantropo disse...

Eu leio a sua dor, e ela dói em mim.
Belas palavras!

; disse...

Fala, Guilherme!
Já estava sentindo falta de suas postagens.
E como o primeiro comentário, "sua dor, dói em mim", de tão bem escrito.
Muito bom, cara. Como todas as outras.

Fil. disse...

avôs...

Thamires Figueiredo disse...

"Eu leio a sua dor, e ela dói em mim." Com toda certeza.. beijo :*

Cristiane disse...

sem palavras... senti aqui, mesmo que de longe, sofri também... era uma pessoa excepcional um tio incomparável...
bjs aqui deixo meu silêncio...